CAUSOS CAIPIRA "As memórias e opiniões de Seu Quinca e Zefa"

A BOCETA DE DONA FRANCISCA

Imbão! As vêiz eu me alembro duns cunticido de meus tempo de mulecote, que anté pego a rí d’eu memo. Ind’agorinha tava aculá de fuga, assuntano o gado rimueno, di coqui debaxo dum pé de barú erado que desde o tempo de vô Tôim qu’ele tá lá no memo lugázim. E o pensamento foi numa lunjura que credo im cruis!
O causo cumeçô, foi o siguinti... A mochinha levou um supapo da maiada que chega tombô no meloso! Imbão, essa bestage de nada, feiz o pensamento ganhá o gerais e pequei o viagêro da mimória e conde vi tava lonnnnnge... Peguei a me alembrá d’eu mais cumpadi Afréu e um causo puxa ôtro e ansim me alembrei de dona Francisca do ribêrão. Muié que todo mundo gavava pela manêra dela levá a vida. Óia qu’ela era uma muié arrespeitada e memo véia cuma eu alembro dela, ela inda era um veiona prumada.
Dona Francisca casô cum Mané Pinto e inviuvô cedo. Era o que o povo dessas bêra tudo contava. Diz que ela era moça pobre mais muito intiligente e trabaiadêra e o Mané se apaxonô pela moça e cabô casano cum ela e conta que foi um festão de fazê gosto. A Chiquinha, cuma o povo chamava ela conde minina, era a coisa mais bunita desse Cerrado. Adispois que se casô cabô o negoço de chamá de Chiquinha, Mané Pinto aviso logo na festa de casório que, chiquinha morreu no artá, que d´ágora pá frente era “ Dona Francisca” é meio imperudo, mais anté que acho bacana! O Mané era bobo, mais n’éra muito não! Rsrsrs...
Imbão! mais eu já vô discambano pr’aculá e num contei cuma foi que acabei me alembrano de dona Francisca...
O causo é que nóis morava numa distância de treis légua e meia da fazenda de Dona Francisca e cuma papai e Tiii Joca trabaiava cum fazimento de cerca de arame, roçada de pasto e esses trem de lida da roça. Vorta e meia eles tava pegano uma impreita de Dona Francisca e conteceu que numa dessas impreitas anté eu cabei ino judá narguma coisa. Era uma fazidura de cerca de pasto, num brejão que tinha lá nas divisa das terra de Dona Francisca, com as mata do capão da onça, que era da famiia Montêro. O sirviço era grande, impreita pruns seis meis. E cabô que argumas vêiz anté eu que era mulecote, cabei ino mode judá a oiá o rancho, chegá terra nos pé das istacas, ô buscá água no córgo pá inchê as cumbuca.
Um dia desses adispois de tomá bãim no riberão Mosondó, nóis fumo todo mundo ( papai, tiii Joca, Nenêm Preto, Julião e eu) mode jantá na casa de Dona Francisca, qu’ela já tinha marcado cum papai de acertá ums negoço lá que eu nem me alembro quê que era. Foi nesse dia qu’eu conhici de perto Dona Francisca, óia, era memo uma sinhora vistosona! Num era atôa que a piãozada vivia cunvessano manaiba e pono a beleza dela no mei!!!
Dona Francisca usava uns vistidão bunito todo adecorado de uma purção de flô, tinha flô de tudo que era core acumbinava cum o corpão gaudo qu’ela tinha. Nóis acheguemo o sol já ia morrenim na ispinh da serra e os raio amarelado dle chega pintava as bêra do céu. Eu muito ladino, já cheguei pondo assunto ne tudo, mode cumpanhá o que tava acunteceno. Nesse tempo minino num tinha muitas vêis não, os mais véi tratava minino era cum reidia curta. De modo que nóis ficava ansim mei que de banda, assuntano o trêm mei de isguei e num pudia se amisturá na prosa dos aduto não, que senão a bronca era feia e adispois o côro cumia no lombo. Mais logo que cheguemo sirviru a janta, adispois vêi um café e eu inda ranjei uma lasca de rapadura pá mode afiá as presa, inquonto eles proseava. Eu me assentei num banquim feito de casquêro de carvuêro cum furquia de cabiúna que pelo o tanto que o bicho lumiava cum as labareda do fogo, porque ele tava ansim perto do rabo do fogão, eu acho qu’ele tinha bem uns noventa ano de uso.
Imbão, a prosa curria solta lá na sala e eu alí no banco, no entremei da cozinha cum a sala só aiscutano a cunvessa e manducano rapadura e suntano. Derrepente um trêm me adispertô o sintido, moço! Era a boceta de Dona Francisca. Tava ela lá na sala, mais seu Gerômo irmão dela, proseano mais a turma toda, por que eles se acuinhicia desde muito tempo. Era até mei aparentado, se num fosse parente de perto, omeno uma parentéla mais adistanciada eles tinha. E o que me incabulô era que eles tudo falava a mesma coisa. O assunto era a boceta da Dona Francisca! E o trem me dexô dum jeito interessado, que passei a grelá os zóios no povo pá intendê o quê que tava acunteceno.
Todo mundo ia lá e mitia os dedo na boceta dela, pegava uma tragada e mitia no nariz e chêrava. Uns ispirrava e contava o quê que tava achano, ôtros falava que era bão mais num ispirrava, ôtros inda mitia o dedo mais uma vêis e assim todo mundo pruveitava a boceta de Dona Francisca mode tocá a prosa e acertá os trato dos sirviço. E eu sei é que de tanto todo mundo prová da boceta de Dona Francisca, anté eu fiquei curioso. A lua discambô no céu e ela tava na força da cheia foi um ispetáculo bunito demais, conde ela levantô na cabeça da serra e aluniô o sertão com seu sorriso incantado, aí o povo foi pá varanda uns pitá outros só cumpanhá inconto cunversavam e dona Francisca ficô alí adistraida oiano pú céu cuma se tivesse cunvessano cáquela belezura de lua que de tão grande anté paricia que tava pertim da gente.
Eu que inda tava cum o sintido na boceta de Dona Francisca, pruveitei que todo mundo distraiu, e pensei cumigo memo, “agora vô vê que diabo que tem nessa boceta”, que todo mundo mete o dedo chêra, chêra, chêra e comenta e fala isso e fala aquilo e aquilo otrô e coisa e tal. Cum esse pensamento fiquei alí na espreita assuntano se Dona Francisca num ia me vê fazeno a traquinage que eu tava matutano. Teve uma hora que eu suntei e falei cumigo memo, é agora! Dona Francisca juntô a rudia do vistidão florido dela, ajuntô o xale nos ombro, abriu as pernas e ajeitô o corpo pá frente se adibruçano na janela e cumeçô a toca a prosa com os homi lá na varanda. E eu pensei cá cumigo ... È agora! Sai ansim mei que na sunsura adisfarçano cum quem tava só de passage pela sala e chega gelei o coração... Sabe conde cê tá dicidido a fazê um trêm que ocê sabe que num tá muito católico? Imbão foi eu!..
Conde eu cheguei na sala e aispiei de rabo de zói por cima da mesa, de cá eu vi a danada lá, ansim toda fací. O gelo no coração foi passagêro e quiném um rái eu parti pá riba dela mode fazê o que eu tinha matutado. Cum muito jeito fui berano a mesa e a mão dislisano na direção da boceta... O gelo no peito aumentava a cada pedaço de mesa que a mão andava... E eu tava tão ispivitado pá pega a danada, que eu nem tive corage de oiá. Conde eu sinti que minha mão tinha chegado na boceta de Dona francisca, eu enchi a mão na danada e sai que nem curisco mode num sê pêgo na arte. Sem nem sabê se dona Francisca tinha visto, se tinha achado bão, se papai ia me cumê no rêi, ôh quorqué coisa ansim .
Com a boceta na mão e a mão na boceta pra escondê o fruto de minha mulecage, ganhei o escuro do terrero onde a lua alumiava mais pôco, mode causa da sombra da casa e das pranta. Ali, foi que tive meu desejo realizado, bão pelo meno foi o qu’eu pensei a pricipi. Mas cuma diz Tia Graciana “urubú conde anda avexado o de baxo caga no de cima”, de modo que cum a boceta de Dona Francisca alí entre as mão suada e tremeno, destampei e meti os dedos tambem eu. Alí fiquei me sintino um verdadêro home, o cabra que vai atrais do que qué e faz do jeito que bem intendê. Nessa satisfação inchi os dedos e dei uma tragada tão grande que vuô rapé pelas ventas tudo, anté dento do zói. Ôh moço foi nada não, o trêm conde num tá pá gente num dianta insisti. Conte o rapé entrou nariz adentro, o trêm num prestô não... Aquilo cumeçô a quemá e a ardê e eu cumeçei a ispirrá e fui perdeno fôlego e disparei a chorá e a gritá e o povo vêi tudo pá vê quê que tava cunteceno e Dona Francisca tambem foi chegano trazeno água e uma lamparina mode clariá e adispois de muito supapo e gole d’água me apegaro no colo e leváro pá dento. Conde chegô lá a lasquêra tava pronta! Minti num diantava tinha rapé pá tudo que é canto da cara! Papai veno que eu num tava bão era nada, só me passô um rabo de zói ansim d’aqueles qu’eu já sabia o que quiria dizê e pidiu um poco de garapa mode me dá pá bebê. A impregada de dona Francisca vêi trazeno a garapa e um pano moiado pá limpá minha cara toda borrada de torrado, foi aí que ela falô ansim... “Ocê ficô doido minino! Ondé que já se viu chêrá pimeta do reino desse jeito? Isso num é torrado não!!! Ah moço aquilo me deu uma girisa... Na gunia de pegá a boceta de Dona Francisca e cum medo de sê discuberto peguei foi a caxinha de pimenta preta. A gaiófa foi grande levei uns insfregão de papai que me mandô durmí lá no rancho e cabei num discubrino quê que tinha de tão bão na boceta de Dona Francisca. Adispois de vê que num foi nada e eu já tá deitado na rede, eles voltaro pá sala e continuaro tocano a prosa e contaro potoca até madrugada véia. Eu morreno de reiva e vregonha tirei uma madorna e conde cordei o galo já tava miudano, e de cá do rancho eu inda iscutei eles lá, contano potoca cherano rapé e tomano café.
Tomei uma birra de torrado que anté hoje num pito, nem chêro rapé, tudo mode a diaba da boceta de Dona Francisca.
Ai, ai! Minino tem cada uma que a gente vevi a vida intêra e num aisquece! Imbão agora dêxa eu andá que a prosa tá boa mais eu priciso cuidá da vida inquonto a morte tá incuída. Inté!!!





ALÔ SEU DOTÔ

Alo seu doto de lá

Alo seu doto de cá

Moça rapais e minina

E quem me quizé aiscutar...



Eu matuto inculto

a seiva du sertão

Quero acontá pr'oceis

Coisas do meu coração...



Eu nasci numa chocinha

No interior de Goiás

Chapada dos veadeiros

Chão onde eu prantei meus pais...



É em são João d’aliança

Aonde o sol conta meus dia

Entre a chapada e o vão

Sofro e choro di aligria...



Aqui a mão do criadô

Conde criô, criô bem mais

Tem focrori e tem cultura

Tem belezas naturais

Cachoira água boa

Bicharada cuma o quê

Tem vióla caipira

Êta trem bão di se vê !



Nossa fé é de fulia

De novena e de reza

De catira e canturi

im paiz cum a natureza

Nossos poemas canta

Versos simples sem metria

Canta a vida canta a morte

Transbordando de beleza...



Tem o negro fugitivo

Sangrano o sonho da liberdade

Tem o índio incantado

Fazendo mil traquinage

Tem istrangero prantano

Raiz e parino fiio

Tem tanta coisa bonita

Que anté causa arripiio...



Na serra tem o mirante

Adonde o vale si inzibe

Com um atii de assentado

E um véi quilombo Forte

E o Paranã se aispaia num mundo veio de água.



Cachuera do Label dispencano das arturra

Andurinha são cristovo e o cantim... que furmusura!

Mais é tanta cachuera que anté foge da memória,

Tanto povo que fais nóis... Que inrriquece nossa historia

É nossas comunidade ispaiada sertão a fora.



Eu me alembro da Pontizinha

Do véi Zé de Ceza e di Colodino

Adonde mora Filipa, Binidito e tantos mais,

Lá tem catira boa, fulia e rapadura...

Um povão batuta dimais,

Que é memo uma belezura!



Montes Claros,Caristia, Ribeiro...

João Paulo, Rola Pedra e Arião

Vãozim, mutuca, bandêra,

Cum seu cerrado bem poco

E as triia cavalera...



O camim do muquem,

Fulia do jatobá, o canto da sariema

Que é tisoro di ninguém

Riqueza di nois tudo,

mais qui pocos dão valô

Cita ladinêis piquena...



Oia qu’eu me a emociono,

Conde eu falo dessas coisas

Me alembro dos antigo

E Cuma era di primero...

Todo mundo se arrespeitava

Num matava a natureza...

prantavacumê

Num prantava pá perde!



Adispois tudo foi mudano

As coisas foi si perdeno,

Ai se aiscuitambô tudo

E nosso mundo ta morreno...

A isperança véis ô ôtra

Enche as vista e faiz sonhá!

Os guerrero de tupã

Vão pá luta sem pensá...



N'ocê só, no ajuntá... Nas dores

Que mata a vida!

Desse jeito trais na cara a isperança pirdida...



É assim que nóisqui pra amostrá

Meu cerrado, meu Goiás

Minha chapada, meu são João adorado,

Que tem tanta coisa batuta, mais

Tem sido ajudiado...



Por isso moça e rapais

Que eu chamo a atenção

Vem vê di perto o Cerrado

Vem conhecer São João...!


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